O amor é lindo
Nando da Costa Lima
O som do trio elétrico é uma reza que eleva o estado de espírito do baiano. Nossos bisnetos ainda serão devotos de São Dodô e São Osmar que futuramente serão canonizados pela criação dessa oração chamada Trio Elétrico, isso sem contar seu efeito afrodisíaco. Aqui em Conquista, nove meses após a micareta é a época que mais se pari. Quanto aos músicos, estes são pássaros de arribação naturais do Nordeste que só migram para as estações onde a alegria seja vigente, os verdadeiros mensageiros da paz. Uma gente colorida que leva a alegria onde quer que esta seja solicitada. Mas não é sobre isso que vou falar. Me lembrei do trio por ter sido atrás de um que vi Eudesita, a heroína dessa história, pela última vez. Tava pulando e empurrando a cadeira de rodas do Dr. Onofre que se uniu a ela logo após o acidente.Edeusita nasceu em berço de ouro. O pai deu uma semana de festa comemorando a chegada da princesinha, o homem tinha dinheiro que nem ladrão acabava. Só quem conseguiu quebrar o velho foram os amigos, com esses ninguém pode. Deixaram o velho duro. Depois que quebrou não suportou a pressão das cobranças, teve um derrame que foi fatal. A mulher já doente também não suportou muito tempo. Eudesita ficou só e desamparada até chegar ao cabaré de Rosália.
Dr. Onofre, apesar da idade avançada, era o homem mais namorador do trecho. Tinha lá suas manias, mas era uma pessoa boa! Conservador até a alma, era freguês do cabaré há mais de trinta anos. Dona Rosália, “dona da casa”, já conhecia todas as manias estranhas do Dr., até aquele costume estranho de apanhar de corrente e martelo antes de transar. Rosália entendia e levava em conta a idade do Dr. Onofre, mandava as meninas maneirarem nas cacetadas. Todas já sabiam que não podiam espancar o Dr. de verdade, era só na base do faz de conta. Uma cacetada bem dada naquele caco velho levaria o
cabaré à falência, todas sabiam que no dia que ele morresse aquela espelunca acabava. Quando Eudesita chegou de mudança pra casa de Rosália, era o retrato do sofrimento. Mesmo assim não perdeu a beleza, era uma mulher enorme e toda bem dividida. Quando Dr. Onofre viu aquele patrimônio só faltou endoidar. O velho atacou uma coceira no saco que só depois Rosália entendeu e logo o acalmou falando que aquele pedaço de morena era um presente especial para o Dr. E foi esse encontro que quase tira a vida de Onofre, mas que felizmente acabou bem… isto é, mais ou menos bem…
Quando o Dr. entrou pro quarto e se trancou com o presente é que Dona Rosália se lembrou que não tinha avisado pra Eudesita maneirar nas manias do velho, mas já era tarde! Onofre além de trancar a porta pediu pra Eudesita escorá-la com o guarda-roupa, não queria ser incomodado. Era sua primeira vez como prostituta, aquela noite colocava fim aos seus últimos sonhos. Sua cabeça fervia e o ódio que sentia pela vida foi todo transferido para Onofre. Ela já estava nua quando ele abriu a maleta e tirou uma corrente grossa e um martelo, e insistiu: “Me machuca até eu desmaiar”. Quando ela escutou aquilo não pensou duas vezes, estava ali a sua chance de desabafar. Começou com uma série de cacetadas no lombo do velho que os gritos eram ouvidos por toda a cidade. Quando conseguiram arrombar a porta o Dr. tava caído numa poça de sangue e Eudesita por cima “metendo” o murro. Graças à presença de um médico no recinto o velho foi salvo. A cirurgia ressuscitar Onofre durou dozes horas e ele ficou três meses na UTI.
Hoje eles vivem juntos, como eu já disse no início. A última vez que eu vi o casal foi atrás de um trio. Ela disse que Onofre tá bem, só ficou surdo e paralítico depois da surra, mas continua firme. Até as taras sexuais ele ainda cultiva, só que de uma forma mais suave. Hoje sua fantasia é apanhar de uma fada madrinha e até a varinha de condão usada por Eudesita é enrolada em espuma e não tem estrela na ponta. O amor é realmente lindo.
