Lenda Urbana
Nando da Costa Lima
Tem gosto pra tudo, gente é o bicho mais esquisito que Deus botou na Terra. Aqui em Conquista viveu um barbeiro muito querido e conhecido pela população, tão querido que o corpo foi velado em casa e a língua na casa do vizinho e que era obcecado por enterros e velórios. Colecionava “santinhos” de todo enterro que ia. Gostava tanto que ficava emocionado quando narrava o enterro das personalidades da cidade. E era comum apostar com outros aficionados em enterro a quantidade de gente que ia acompanhar o féretro do defunto do dia. Era tão fanático que às vezes calculava o número de visitantes do velório de gente que ainda estava viva, era um negócio terrível. Mas pra ele era a coisa mais natural do mundo. Tinha um terno que usava unicamente em velórios e outro pra acompanhar o enterro (é claro que tinha um traje especial que só desfilava em enterro de personalidades). Nosso querido barbeiro já não é mais vivo, mas deixou muitos seguidores. Existe uma grande disputa pra ver quem o substituirá e herdará a coleção de santinhos.Foi no enterro do dito barbeiro que se encontraram os maiores frequentadores de velório do planalto da Conquista: tinha um que só usava terno roxo e camisa dourada, parecia um caixão de indigente. Estes fizeram questão de se reunir no quintal da casa do defunto pra ver quem merecia herdar o valoroso material. Começaram a discussão calmamente, cada um explanava o seu histórico de papa-defunto e citavam os anos em que foram em mais enterros. Um deles chegou a falar que na sua conta o seu recorde foi em 1998, neste ano ele frequentou mais de mil velórios. Uns reagiram dizendo que não tinha condições de ser verdade, outros diziam que só acreditariam se ele trouxesse testemunhas para provar. Mas todos concordavam em uma coisa: aquele filho da puta tava inventando história pra ficar com a valiosa coleção de santinhos do defunto. O clima já tava engrossando, Seu Pedro Boca de Sebo (festeiro e organizador de velórios) já tava querendo trocar tapa com o representante da Barra
do Choça por ter falado que ele só ia em enterro de rico e nem gravata usava, uma vergonha pra Sociedade dos Difunteiros. Se não tivessem apartado a coisa ia ficar séria. Já tinha mais de seis horas que o pessoal tava discutindo, cada um apresentando o seu histórico que era logo seguido por um monte de questionamentos e exigência de provas. A coisa tava feia, tão feia que a viúva teve que entrar no meio e dar uma bronca “Vocês deveriam ter vergonha, até aposta vocês fizeram pra adivinhar o dia que meu finado marido ia morrer, tomem vergonha e vão discutir esta porcaria num buteco. Cambada de urubu, nem pêsames me deram, só tão de olho na coleção de meu Zeca”. Só Seu Chafik se lembrou de trazer uma coroa de flores de plástico com um bilhete que me emocionou: “Vai em paz Zeca Barbeiro, da sua família cuido eu”. E não saiu um minuto de perto de mim e da minha filha, ô homem bom…
Eles acataram o “conselho” da viúva, e lá no boteco a coisa tomou ares de reunião política, chegaram até a sugerir um “broche” pra destaca-los dos simples acompanhantes de enterro. A ideia foi aprovada unanimemente. Quanto ao traje cada um tinha o seu estilo, se todos fossem acompanhar o modelo de terno roxo com camisa e adereços dourados do representante de Poções ia ficar parecendo bloco de carnaval. Cachaça rolando solta, conversa vai, conversa vem e nada de chegarem à decisão de quem ia ser o presidente da Sociedade dos Difunteiros para herdar o tão disputado souvenir. Era santinho que dava pra carregar um caminhão e uma van… Mas nada dava a entender que chegariam a uma conclusão. Foi aí que eles escutaram uma gritaria vindo do velório, os gritos foram tão altos que acordou o bairro inteiro. Os biriteiros correram pro velório pra saber o que aconteceu e foi aí que a declaração dada pela viúva e pelos bebuns de pé-de-caixão, sem querer, apontaram o vencedor de maior frequentador de velórios… É que a viúva jurou de pé junto que no meio do velório o defunto sentou-se no caixão e pediu que ela garantisse que o enterro só saía depois que Corujão chegasse, arrotou a buchada vencida que o levou dessa para uma melhor e morreu novamente. Várias testemunhas etilizadas comprovaram o acontecimento. Quando ela acabou de falar, o carro de Corujão colou no fundo do carro da funerária, ele chegou a ficar assustado quando desceu do automóvel e todos os presentes do velório, inclusive a Sociedade dos Difunteiros, batiam palmas e gritavam: “É CAMPEÃO, É CAMPEÃO, CORUJÃO É O CAMPEÃO”. E foi assim que ele, mesmo não estando presente na reunião, herdou aquela preciosidade tão cobiçada… Ficou emocionadíssimo, chorou pelo defunto e pela vitória.
