Eternamente Wanderley
Nando da Costa Lima
Tá certo que Wanderley era querido pelos amigos, mas aquilo já era exagero. Tudo na cidade foi rebatizado com o nome do finado filho pródigo do “Coroné” Arnóbio, grande chefe político do Município. No dia em que o herdeiro do velho bateu as botas, muita gente pensou que ele iria junto, já tinha até discurso pronto pro enterro duplo, mas o velho aguentou firme e continuou mandando e desmandando com punho de ferro, apesar da tristeza pela perda irreparável. Os puxa-saco, ao sentirem o seu estado depressivo, começaram a fazer de tudo para agradar o homem e quem sabe ter a sorte de ser adotado como herdeiro político. Seria a glória! Isto sem falar da fortuna daquele velho solitário e carente. Quem começou com a puxação foi o vereador Hermógenes, que mudou o nome da farmácia Santa Rosa para “Farmácia Wanderleyzinho do Coroné”. O velho ficou tão satisfeito que deu 50 vacas paridas para o edil. O presidente da Câmara, pra não ficar de fora, inaugurou um açougue com o mesmo nome e foi presenteado com o mesmo número de vacas. O prefeito cresceu o olho e pra ganhar cem novilhas mudou o nome do colégio Ruy Barbosa. Wanderley ficava bem melhor. Um deputado ficou sabendo e liberou verba pra construção de uma ponte (depois a CPI constatou que não passava de um mata-burro) com o nome do saudoso Wanderley. Este ganhou mais de cem cabeças de gado. E assim foram surgindo homenagens em cima de homenagens. Todos estavam satisfeitos: o velho por marcar a cidade com o nome do filho e os puxa-saco pelos presentes recebidos. Mas um dia a cidade acordou mais movimentada, o fuxico era um só: “Coroné” Arnóbio tinha doado uma fazenda de porteira fechada pra um casal que não tinha nem onde cair morto, não tinham nem um boteco pra colocar o nome de Wanderleyzinho, aquilo era um absurdo. Devem ter rezado o velho! A única coisa que aquele casal de carolas fazia era puxar o saco do padre e falar da vida dos outros. Como é que aquilo foi acontecer… logo a melhor fazenda da região, só podia ser trabalho feito. A câmara dos vereadores se agitou querendo marcar uma sessão só pra convencer o velho de que aquilo não estava certo. Foi então que dona Vanda, que além de ser secretária da Câmara era amiguíssima do padre, esclareceu a situação, explicando aos demais que o “Coroné” tinha dado aquele presentão ao casal porque eles conseguiram convencer o padre pra mudar o nome da igreja pra Igreja São Wanderley, e o padre pra não ficar por baixo ainda sugeriu que fizessem um abaixo-assinado promovendo Wanderley para padroeiro da cidade. Aí foi o jeito todo mundo aceitar. Só que na hora que tava tudo acertado na praça da igreja apareceu um bêbado e questionou com a mão na cintura: “Ué, eu tô com 85 anos e nunca ouvi falar nesse tal de São Wanderley”. Aí um capanga do “Coroné” Arnóbio rebateu de cara fechada: “É melhor cê calar esta boca antes que isso chegue no ouvido do Papa, senão cê tá lascado”.
